"Pecar pelo silêncio, quando se deveria protestar, transforma homens em covardes."
Abraham Lincoln
ESTA É MAIS UMA DECISÃO JUDICIAL DIGNA DE SER LIDA.
VAMOS ENTENDER O CASO, UM SGTPM FOI PUNIDO COM 30 DIAS PELO FATO DE SUA ESPOSA TER ENVIADO UM EMAIL PARA O GABINETE DO GOVERNADOR, ao invés de acatar e cumprir esta punição ilegal e imoral militar recorreu ao judiciário, vejamos a decisão de ilustre juíza da AJMERJ, (auditoria de justiça militar).
VIVA JUSTIÇA!!!!!!!
Trata-se de habeas corpus com pedido de liminar impetrado por DANIEL LOZOYA CONSTANT LOPES, Defensor Público, em favor de F. M S., no qual aponta o COMANDANTE DO 7º BPM como autoridade coatora. O Impetrante sustenta, em apertada síntese, que o Paciente foi punido com trinta dias de detenção ´porque SUA ESPOSA enviou um e-mail para o Gabinete do Governador com uma denúncia contra o Comandante do 7º BPM em razão dos serviços extras nas folgas dos policiais com ameaças de transferências´. Aduz que ´Ouvidos o militar, ora paciente, e sua esposa, ambos disseram que esta agiu por conta própria e que aquele sequer tinha conhecimento da mensagem enviada por correio eletrônico (e-mail)´, concluindo tratar-se de ´responsabilidade por ato de terceiro sem absolutamente nenhuma prova de ter o paciente concorrido para tal ato´. Neste sentido, salienta que o Impetrado alegou que a esposa do Paciente, por não ser militar, não teria conhecimento dos mecanismos da Administração Militar, permitindo concluir que este a teria orientado a enviar o e-mail em tela, o que não passaria de ´presunções, suposições, ilações, conjecturas´, mostrando-se a punição atacada eivada de ilegalidade e abuso de poder. Ao final, requer, liminarmente, a concessão da liberdade do Paciente e, no mérito, a cassação da punição ilegal aplicada ao Paciente. Com o recebimento da exordial pelo Plantão Noturno do dia 05/06/2013, acolhendo promoção ministerial, foi deferido o pedido liminar, pondo-se o Paciente em liberdade (fls. 28/29). Recebidos os autos neste Juízo, foram solicitadas as informações à Autoridade nomeada coatora. Informações da Autoridade nomeada coatora, o Comandante do 7º BPM, acostadas às fls. 35/40, sustentando a legalidade da punição em tela, requerendo a denegação do habeas corpus. Neste sentido, salienta que o Comando entendeu que ´o referido militar havia de certa forma auxiliado a sua esposa na emissão da mensagem eletrônica, visto que ali continha informações sobre escalas de serviços que são do domínio do pessoal da caserna, ficando claro que o graduado em questão havia influenciado a sua esposa na formulação da mensagem´. Aduz que ´foram concedidos ao paciente todos os direitos constitucionais da legítima defesa e do contraditório para que fosse apresentada a sua defesa´. Destaca que o Impetrante não instruiu o habeas corpus intencionalmente com o depoimento do MAJ PM LUIZ CARLOS ALVES JÚNIOR ´no sentido de que o paciente declarou na presença do Comandante da OPM que a denúncia havia sido feita pela esposa, muito antes de observar o endereço do email, apresentando fortes indícios de que teria atuado na orientação de formulação da respectiva mensagem´. O Impetrado ainda destaca a improcedência das críticas contidas no e-mail em tela encaminhado ao Gabinete do Governador do Estado. Promoção ministerial às fls. 87/93, na qual o Parquet Estadual opina pela concessão da ordem pretendida, posto que ´o procedimento ao qual foi o paciente submetido violou direito e garantia fundamental, demonstrando explicitamente sua irregularidade em face da constituição´. Afirma o Parquet que ´o ato praticado não foi justificado pelas informações fornecidas´, especialmente porque ´não consta nos autos qualquer documento que comprove qualquer prática de transgressão militar perpetrada pelo paciente´. Segundo o Ilmo. Promotor de Justiça, ´ainda que a esposa do militar tenha admitido o envio da mensagem eletrônica, não se pode imputar ao seu marido militar a autoria intelectual do fato para lhe punir como fora, ao final, efetivado´. Entende o Parquet que ´A presunção estabelecida é arbitrária e ilegítima, não podendo servir como prova para punir o militar´. Conclui que ´mostra-se completamente ilegal, sem razão e, portanto, inconstitucional a punição aplicada ao paciente´. É o relatório. PASSO A DECIDIR. Conforme já ressaltado em decisões anteriores desta Magistrada, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 - CRFB/88, apesar do cunho eminentemente democrático e garantista, explicitamente tratou de modo diferenciado os servidores militares, tanto que, ao estabelecer que ´ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente´, expressamente ressalvou os ´casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei´ (art. 5º, inc. LXI); vedou o habeas corpus em relação a punições disciplinares militares (art. 142, § 2º); proibiu ao militar em atividade a sindicalização, a greve e a filiação partidária (art. 142, § 3º, IV e V); tudo isso porque se tratam de servidores públicos distintos, sujeitos a regimento e Código Penal próprios, notoriamente mais rigorosos, eis que sempre baseados nos princípios da hierarquia e da disciplina. Tais princípios constitucionais, elementos conceituais e vigas-mestras de toda organização militar, incluindo a Polícia Militar, condensam seus maiores valores e conferem eficiência à sua atuação. Do exposto, percebe-se a importância desses conceitos no âmbito militar, já que a legislação específica dá maior relevo ao respeito à instituição, o que deve pautar os atos de seus membros, e justifica o maior rigor penal castrense. Deste modo, no Estado Democrático de Direito em que se constitui o Brasil, os princípios da hierarquia e da disciplina encontram-se em plena aplicação.
Ocorre que, apesar de sujeitos à hierarquia e à disciplina da caserna, os militares são pessoas, titulares de todos os direitos e garantias fundamentais previstos no artigo 5º da Constituição da República, ´sem distinção de qualquer natureza´, simplesmente por ostentar a qualidade de ser humano, sendo as exceções inerentes à condição de militar expressamente ressalvadas no próprio texto constitucional, como nas mencionadas hipóteses previstas no art. 5º, LXI; art. 142, § 2º; art. 142, § 3º, IV e V, dentre outras. Tais direitos não podem ser afastados por qualquer lei em sentido estrito ou muito menos regulamento disciplinar de corporação militar estadual.
Na verdade, com a promulgação da CRFB/88, o Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (Decreto nº 6.579/1983), assim como qualquer legislação infraconstitucional, deve ser relido à luz da Carta Magna e as normas que com ela não forem compatíveis não serão recepcionadas, restando desprovidas de eficácia. Uma prova de tal harmonia é o próprio cabimento do habeas corpus em relação às punições disciplinares militares, tal como a presente ação. Isto porque, a despeito da norma prevista no art. 142, § 2º, da CRFB/88, segundo a qual ´Não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares militares´, admite-se pacificamente o cabimento desta modalidade de ação para que o Judiciário analise os pressupostos de legalidade do ato - sem se ater às questões do mérito da sanção administrativa -, coibindo qualquer ilegalidade ou abuso de poder cometido nesse tipo de punição, quando, por exemplo, não são observados os princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal (CRFB/88, art. 5º, incisos LIV e LV), direitos constitucionais que SEMPRE devem ser observados nos procedimentos administrativos militares. Acerca do princípio do devido processo legal, previsto no art. 5º, inciso LIV, da CRFB/88, que dispõe que ´ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal´ (grifei), este não prevê expressamente qualquer exceção, abarcando, por óbvio, os servidores militares. O referido princípio se subdivide em devido processo legal formal (ou procedimental) e devido processo legal material (ou substancial). Na primeira espécie, satisfaz-se com a mera abertura de regular processo para a restrição de direitos, atendendo-se meramente às formalidades. Já na segunda espécie, sustentada pela atual e melhor doutrina, sem se ater tanto ao formalismo exacerbado, impõe-se a busca da justiça, da proporcionalidade, da razoabilidade às decisões restritivas de direitos, efetivando-se concretamente os direitos assegurados na Lei Maior. E justamente neste ponto é que se mostra eivada de vício de legalidade e abuso de poder a decisão proferida pelo Ilmo. Comandante do 7º BPM. Compulsando-se os autos, percebe-se que o Paciente fora punido ´pelo fato de comportar-se de má-fé, no dia 15 de Janeiro de 2013, ocasião em que orientou a sua esposa, no sentido de enviar uma mensagem eletrônica ao Gabinete do Governador do Estado do Rio de Janeiro, denunciando injustamente o Comandante do 7º BPM de prática de abuso de poder, por obrigar os seus comandados a executar serviços extras, bem como o Comando-Geral da Corporação, de não cumprir normas baixadas pelo Governo do Estado, causando com tal procedimento sérios embaraços administrativos, contrariando a ética e os princípios basilares da Corporação, da hierarquia e da disciplina, conforme ficou apurado nos autos de Averiguação-Sumária de Portaria nº 025/2530/2013´ (grifei), conforme fls. 44.
Ora, compulsando-se os autos, não se percebe qualquer indício sequer de tal ´orientação´. Nos autos da referida Averiguação foram inquiridos o Paciente e sua esposa. Aquele, conforme cópia do termo de depoimento de fls. 13/13vº, afirmou que somente teve conhecimento do e-mail encaminhado ao Gabinete do Governador do Estado quando foi chamado pelo Comando da Unidade para esclarecer tal situação. Já sua esposa, Viviane Mello Silveira, conforme fls. 12/12vº, disse que ´ligou para o Quartel General, após para a Corregedoria da PMERJ e depois para o Gabinete do Governador, onde conversou com a Sra. TELMA que lhe passou o email na qual fez a denúncia´, confirmando que foi a autora da mesma e negando que o Paciente a tenha orientado, sequer tendo conhecimento de tal conduta, o que somente teria ocorrido quando o mesmo se apresentou ao Comando da Unidade. Aduziu ainda que tem conhecimento sobre as escalas da PMERJ, pois também trabalha com escala (o que foi afirmado pelo Paciente), bem como que ´se informou, via internet, sobre a legislação pertinente às escalas de serviço, averiguando, então, que a seu marido não é permitida tal escala´. A Autoridade nomeada coatora ainda questionou o fato de não ter sido juntado ao pedido inicial o termo de depoimento do MAJ PM LUIZ CARLOS ALVES JÚNIOR, o que teria sido fruto de conduta intencional do Impetrante, posto que comprovaria ´fortes indícios de que (o Paciente) teria atuado na orientação de formulação da respectiva mensagem´. Ocorre que, da leitura de tal termo (fls. 59/59vº), não é possível inferir tais ´fortes indícios´, havendo sim afirmação no sentido de que o Paciente confirmou que sua esposa tinha conhecimento das escalas adotadas pela PMERJ. Das peças do procedimento administrativo que foram trazidas aos presentes autos, portanto, não se depreende qualquer elemento minimamente sólido no sentido de confirmar que o Paciente teve qualquer influência na confecção do e-mail encaminhado ao Gabinete do Governador. Somente há ´fortes indícios´ de que a punição fora infligida sem qualquer lastro probatório, em flagrante ilegalidade. Como bem afirmado pelo Impetrante e pelo Presentante do Parquet, a punição de 30 (trinta) dias de detenção foi infligida ao Paciente com base em meras presunções, conjecturas, suposições, sem qualquer suporte probatório nos autos. A Autoridade nomeada coatora simplesmente supôs que a esposa do Paciente não teria conhecimento das escalas praticadas na PMERJ simplesmente pelo fato de não ser militar, apesar de os indícios carreados ao feito indicarem em outro sentido (o que é irrelevante, diga-se de passagem) e imputou ao mesmo a conduta de ´orientar´ sua esposa no sentido de encaminhar e-mail ao Gabinete do Governador, tudo sem qualquer prova ou sequer indícios. Dos elementos probatórios carreados ao procedimento administrativo não é possível de forma alguma inferir, de forma minimamente concreta, que o Paciente teve qualquer participação na ação de sua esposa, pessoa aparentemente esclarecida, imputável e responsável pelos seus atos, utilizando-se então o Comandante do 7º BPM de presunções sem qualquer amparo no que foi averiguado administrativamente para inferir a punição ora atacada, infligindo ainda a pena de detenção em seu grau máximo permitido pelo RDPMERJ. Apesar de a Autoridade nomeada coatora afirmar que ´Foram concedidos ao paciente todos os direitos constitucionais da legítima defesa e do contraditório para que fosse apresentada a sua defesa´ (fls. 36), como bem salientado pelo Ilmo. Promotor de Justiça, ´a garantia do que se chamou de devido processo legal fora apenas formalidade sem qualquer efetividade plena como estaria a exigir a mens constitucional. Os institutos foram subvertidos com o escopo de tornar inevitável o alcance do resultado prejudicial ao réu e que já se tinha predeterminado chancelar. Utilizou-se a própria norma para se chegar a resultado diametralmente diverso do que ela realmente prescreve´. Deste modo, apesar da aparência de respeito aos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, por meio da extração do Documento de Razões de Defesa - DRD (fls. 76) e da possibilidade de requerer a Reconsideração do Ato (fls. 78/83), percebe-se que tais medidas não passaram de meras formalidades a fim de buscar assegurar a ´legitimidade´ da punição que se pretendia infligir ao Paciente, o que se pode concluir porque, mesmo após colhidos os depoimentos e produzidas as provas que se entendeu necessárias, nada foi trazido ao procedimento no sentido de comprovar a conduta imputada ao Paciente. Apesar da aparente observância ao devido processo legal formal, ignorou-se totalmente o devido processo legal material/substancial.
Como bem salientado ainda pelo Ilmo. Promotor de Justiça, ainda que tivesse conhecimento do e-mail encaminhado por sua esposa ao Gabinete do Governador do Estado, esta se encontrava no exercício regular de um direito, podendo utilizar-se daquele meio eletrônico colocado à disposição da população para fazer chegar ao conhecimento das autoridades competentes eventual desrespeito ao regulamento praticado pelo Comandante da Unidade em tela. Ora, se os Oficiais Superiores da Corporação não são senhores da vida privada de seus Subordinados, imagine-se da vida privada dos familiares destes. Deste modo, conclui-se que a Autoridade nomeada coatora infligiu gravosa punição administrativa ao Paciente sem qualquer amparo em provas ou indícios colhidos durante o procedimento administrativo-disciplinar, tudo com base em arbitrária suposição, presunção de que o mesmo teria ´orientado´ sua esposa a encaminhar e-mail ao Gabinete do Governador do Estado relatando eventual descumprimento regulamentar das escalas de serviço na Unidade em tela, havendo manifesta ilegalidade na punição infligida, eivada de vício de validade, devendo ser declarada a sua nulidade. Em face do exposto, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO, CONCEDENDO A ORDEM DE HABEAS CORPUS PRETENDIDA E DECLARANDO A NULIDADE DA PUNIÇÃO ADMINISTRATIVO-DISCIPLINAR INFLIGIDA AO 2º SGT PM RG F M S, DECORRENTE DO DRD N° 163/2530/2013 - 7º BPM, A QUAL DEVE SER EXCLUÍDA DE SUA FICHA DISCIPLINAR, DECRETANDO AINDA O TRANCAMENTO DO REFERIDO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO, o que faço na forma do disposto no artigo 478 do Código de Processo Penal Militar. Transitada em julgado, providenciem-se as comunicações e anotações de praxe, dando-se, após, baixa na distribuição e remetendo-se ao arquivo. De acordo com o artigo 30, inciso XIII, da Lei nº 8.457/92 (LOJMU), comunique-se ao Comando Geral da PMERJ e à Autoridade nomeada coatora, inclusive no que tange à publicação da presente decisão em boletim ostensivo, para fins de conhecimento do Paciente e da Corporação em geral. Sem custas, na forma do artigo 5º, inciso LXXVII, da Carta Magna, e do artigo 712 da Lei Processual Penal Castrense. P. R. I. C.
VAMOS ENTENDER O CASO, UM SGTPM FOI PUNIDO COM 30 DIAS PELO FATO DE SUA ESPOSA TER ENVIADO UM EMAIL PARA O GABINETE DO GOVERNADOR, ao invés de acatar e cumprir esta punição ilegal e imoral militar recorreu ao judiciário, vejamos a decisão de ilustre juíza da AJMERJ, (auditoria de justiça militar).
VIVA JUSTIÇA!!!!!!!
Trata-se de habeas corpus com pedido de liminar impetrado por DANIEL LOZOYA CONSTANT LOPES, Defensor Público, em favor de F. M S., no qual aponta o COMANDANTE DO 7º BPM como autoridade coatora. O Impetrante sustenta, em apertada síntese, que o Paciente foi punido com trinta dias de detenção ´porque SUA ESPOSA enviou um e-mail para o Gabinete do Governador com uma denúncia contra o Comandante do 7º BPM em razão dos serviços extras nas folgas dos policiais com ameaças de transferências´. Aduz que ´Ouvidos o militar, ora paciente, e sua esposa, ambos disseram que esta agiu por conta própria e que aquele sequer tinha conhecimento da mensagem enviada por correio eletrônico (e-mail)´, concluindo tratar-se de ´responsabilidade por ato de terceiro sem absolutamente nenhuma prova de ter o paciente concorrido para tal ato´. Neste sentido, salienta que o Impetrado alegou que a esposa do Paciente, por não ser militar, não teria conhecimento dos mecanismos da Administração Militar, permitindo concluir que este a teria orientado a enviar o e-mail em tela, o que não passaria de ´presunções, suposições, ilações, conjecturas´, mostrando-se a punição atacada eivada de ilegalidade e abuso de poder. Ao final, requer, liminarmente, a concessão da liberdade do Paciente e, no mérito, a cassação da punição ilegal aplicada ao Paciente. Com o recebimento da exordial pelo Plantão Noturno do dia 05/06/2013, acolhendo promoção ministerial, foi deferido o pedido liminar, pondo-se o Paciente em liberdade (fls. 28/29). Recebidos os autos neste Juízo, foram solicitadas as informações à Autoridade nomeada coatora. Informações da Autoridade nomeada coatora, o Comandante do 7º BPM, acostadas às fls. 35/40, sustentando a legalidade da punição em tela, requerendo a denegação do habeas corpus. Neste sentido, salienta que o Comando entendeu que ´o referido militar havia de certa forma auxiliado a sua esposa na emissão da mensagem eletrônica, visto que ali continha informações sobre escalas de serviços que são do domínio do pessoal da caserna, ficando claro que o graduado em questão havia influenciado a sua esposa na formulação da mensagem´. Aduz que ´foram concedidos ao paciente todos os direitos constitucionais da legítima defesa e do contraditório para que fosse apresentada a sua defesa´. Destaca que o Impetrante não instruiu o habeas corpus intencionalmente com o depoimento do MAJ PM LUIZ CARLOS ALVES JÚNIOR ´no sentido de que o paciente declarou na presença do Comandante da OPM que a denúncia havia sido feita pela esposa, muito antes de observar o endereço do email, apresentando fortes indícios de que teria atuado na orientação de formulação da respectiva mensagem´. O Impetrado ainda destaca a improcedência das críticas contidas no e-mail em tela encaminhado ao Gabinete do Governador do Estado. Promoção ministerial às fls. 87/93, na qual o Parquet Estadual opina pela concessão da ordem pretendida, posto que ´o procedimento ao qual foi o paciente submetido violou direito e garantia fundamental, demonstrando explicitamente sua irregularidade em face da constituição´. Afirma o Parquet que ´o ato praticado não foi justificado pelas informações fornecidas´, especialmente porque ´não consta nos autos qualquer documento que comprove qualquer prática de transgressão militar perpetrada pelo paciente´. Segundo o Ilmo. Promotor de Justiça, ´ainda que a esposa do militar tenha admitido o envio da mensagem eletrônica, não se pode imputar ao seu marido militar a autoria intelectual do fato para lhe punir como fora, ao final, efetivado´. Entende o Parquet que ´A presunção estabelecida é arbitrária e ilegítima, não podendo servir como prova para punir o militar´. Conclui que ´mostra-se completamente ilegal, sem razão e, portanto, inconstitucional a punição aplicada ao paciente´. É o relatório. PASSO A DECIDIR. Conforme já ressaltado em decisões anteriores desta Magistrada, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 - CRFB/88, apesar do cunho eminentemente democrático e garantista, explicitamente tratou de modo diferenciado os servidores militares, tanto que, ao estabelecer que ´ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente´, expressamente ressalvou os ´casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei´ (art. 5º, inc. LXI); vedou o habeas corpus em relação a punições disciplinares militares (art. 142, § 2º); proibiu ao militar em atividade a sindicalização, a greve e a filiação partidária (art. 142, § 3º, IV e V); tudo isso porque se tratam de servidores públicos distintos, sujeitos a regimento e Código Penal próprios, notoriamente mais rigorosos, eis que sempre baseados nos princípios da hierarquia e da disciplina. Tais princípios constitucionais, elementos conceituais e vigas-mestras de toda organização militar, incluindo a Polícia Militar, condensam seus maiores valores e conferem eficiência à sua atuação. Do exposto, percebe-se a importância desses conceitos no âmbito militar, já que a legislação específica dá maior relevo ao respeito à instituição, o que deve pautar os atos de seus membros, e justifica o maior rigor penal castrense. Deste modo, no Estado Democrático de Direito em que se constitui o Brasil, os princípios da hierarquia e da disciplina encontram-se em plena aplicação.
Ocorre que, apesar de sujeitos à hierarquia e à disciplina da caserna, os militares são pessoas, titulares de todos os direitos e garantias fundamentais previstos no artigo 5º da Constituição da República, ´sem distinção de qualquer natureza´, simplesmente por ostentar a qualidade de ser humano, sendo as exceções inerentes à condição de militar expressamente ressalvadas no próprio texto constitucional, como nas mencionadas hipóteses previstas no art. 5º, LXI; art. 142, § 2º; art. 142, § 3º, IV e V, dentre outras. Tais direitos não podem ser afastados por qualquer lei em sentido estrito ou muito menos regulamento disciplinar de corporação militar estadual.
Na verdade, com a promulgação da CRFB/88, o Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (Decreto nº 6.579/1983), assim como qualquer legislação infraconstitucional, deve ser relido à luz da Carta Magna e as normas que com ela não forem compatíveis não serão recepcionadas, restando desprovidas de eficácia. Uma prova de tal harmonia é o próprio cabimento do habeas corpus em relação às punições disciplinares militares, tal como a presente ação. Isto porque, a despeito da norma prevista no art. 142, § 2º, da CRFB/88, segundo a qual ´Não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares militares´, admite-se pacificamente o cabimento desta modalidade de ação para que o Judiciário analise os pressupostos de legalidade do ato - sem se ater às questões do mérito da sanção administrativa -, coibindo qualquer ilegalidade ou abuso de poder cometido nesse tipo de punição, quando, por exemplo, não são observados os princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal (CRFB/88, art. 5º, incisos LIV e LV), direitos constitucionais que SEMPRE devem ser observados nos procedimentos administrativos militares. Acerca do princípio do devido processo legal, previsto no art. 5º, inciso LIV, da CRFB/88, que dispõe que ´ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal´ (grifei), este não prevê expressamente qualquer exceção, abarcando, por óbvio, os servidores militares. O referido princípio se subdivide em devido processo legal formal (ou procedimental) e devido processo legal material (ou substancial). Na primeira espécie, satisfaz-se com a mera abertura de regular processo para a restrição de direitos, atendendo-se meramente às formalidades. Já na segunda espécie, sustentada pela atual e melhor doutrina, sem se ater tanto ao formalismo exacerbado, impõe-se a busca da justiça, da proporcionalidade, da razoabilidade às decisões restritivas de direitos, efetivando-se concretamente os direitos assegurados na Lei Maior. E justamente neste ponto é que se mostra eivada de vício de legalidade e abuso de poder a decisão proferida pelo Ilmo. Comandante do 7º BPM. Compulsando-se os autos, percebe-se que o Paciente fora punido ´pelo fato de comportar-se de má-fé, no dia 15 de Janeiro de 2013, ocasião em que orientou a sua esposa, no sentido de enviar uma mensagem eletrônica ao Gabinete do Governador do Estado do Rio de Janeiro, denunciando injustamente o Comandante do 7º BPM de prática de abuso de poder, por obrigar os seus comandados a executar serviços extras, bem como o Comando-Geral da Corporação, de não cumprir normas baixadas pelo Governo do Estado, causando com tal procedimento sérios embaraços administrativos, contrariando a ética e os princípios basilares da Corporação, da hierarquia e da disciplina, conforme ficou apurado nos autos de Averiguação-Sumária de Portaria nº 025/2530/2013´ (grifei), conforme fls. 44.
Ora, compulsando-se os autos, não se percebe qualquer indício sequer de tal ´orientação´. Nos autos da referida Averiguação foram inquiridos o Paciente e sua esposa. Aquele, conforme cópia do termo de depoimento de fls. 13/13vº, afirmou que somente teve conhecimento do e-mail encaminhado ao Gabinete do Governador do Estado quando foi chamado pelo Comando da Unidade para esclarecer tal situação. Já sua esposa, Viviane Mello Silveira, conforme fls. 12/12vº, disse que ´ligou para o Quartel General, após para a Corregedoria da PMERJ e depois para o Gabinete do Governador, onde conversou com a Sra. TELMA que lhe passou o email na qual fez a denúncia´, confirmando que foi a autora da mesma e negando que o Paciente a tenha orientado, sequer tendo conhecimento de tal conduta, o que somente teria ocorrido quando o mesmo se apresentou ao Comando da Unidade. Aduziu ainda que tem conhecimento sobre as escalas da PMERJ, pois também trabalha com escala (o que foi afirmado pelo Paciente), bem como que ´se informou, via internet, sobre a legislação pertinente às escalas de serviço, averiguando, então, que a seu marido não é permitida tal escala´. A Autoridade nomeada coatora ainda questionou o fato de não ter sido juntado ao pedido inicial o termo de depoimento do MAJ PM LUIZ CARLOS ALVES JÚNIOR, o que teria sido fruto de conduta intencional do Impetrante, posto que comprovaria ´fortes indícios de que (o Paciente) teria atuado na orientação de formulação da respectiva mensagem´. Ocorre que, da leitura de tal termo (fls. 59/59vº), não é possível inferir tais ´fortes indícios´, havendo sim afirmação no sentido de que o Paciente confirmou que sua esposa tinha conhecimento das escalas adotadas pela PMERJ. Das peças do procedimento administrativo que foram trazidas aos presentes autos, portanto, não se depreende qualquer elemento minimamente sólido no sentido de confirmar que o Paciente teve qualquer influência na confecção do e-mail encaminhado ao Gabinete do Governador. Somente há ´fortes indícios´ de que a punição fora infligida sem qualquer lastro probatório, em flagrante ilegalidade. Como bem afirmado pelo Impetrante e pelo Presentante do Parquet, a punição de 30 (trinta) dias de detenção foi infligida ao Paciente com base em meras presunções, conjecturas, suposições, sem qualquer suporte probatório nos autos. A Autoridade nomeada coatora simplesmente supôs que a esposa do Paciente não teria conhecimento das escalas praticadas na PMERJ simplesmente pelo fato de não ser militar, apesar de os indícios carreados ao feito indicarem em outro sentido (o que é irrelevante, diga-se de passagem) e imputou ao mesmo a conduta de ´orientar´ sua esposa no sentido de encaminhar e-mail ao Gabinete do Governador, tudo sem qualquer prova ou sequer indícios. Dos elementos probatórios carreados ao procedimento administrativo não é possível de forma alguma inferir, de forma minimamente concreta, que o Paciente teve qualquer participação na ação de sua esposa, pessoa aparentemente esclarecida, imputável e responsável pelos seus atos, utilizando-se então o Comandante do 7º BPM de presunções sem qualquer amparo no que foi averiguado administrativamente para inferir a punição ora atacada, infligindo ainda a pena de detenção em seu grau máximo permitido pelo RDPMERJ. Apesar de a Autoridade nomeada coatora afirmar que ´Foram concedidos ao paciente todos os direitos constitucionais da legítima defesa e do contraditório para que fosse apresentada a sua defesa´ (fls. 36), como bem salientado pelo Ilmo. Promotor de Justiça, ´a garantia do que se chamou de devido processo legal fora apenas formalidade sem qualquer efetividade plena como estaria a exigir a mens constitucional. Os institutos foram subvertidos com o escopo de tornar inevitável o alcance do resultado prejudicial ao réu e que já se tinha predeterminado chancelar. Utilizou-se a própria norma para se chegar a resultado diametralmente diverso do que ela realmente prescreve´. Deste modo, apesar da aparência de respeito aos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, por meio da extração do Documento de Razões de Defesa - DRD (fls. 76) e da possibilidade de requerer a Reconsideração do Ato (fls. 78/83), percebe-se que tais medidas não passaram de meras formalidades a fim de buscar assegurar a ´legitimidade´ da punição que se pretendia infligir ao Paciente, o que se pode concluir porque, mesmo após colhidos os depoimentos e produzidas as provas que se entendeu necessárias, nada foi trazido ao procedimento no sentido de comprovar a conduta imputada ao Paciente. Apesar da aparente observância ao devido processo legal formal, ignorou-se totalmente o devido processo legal material/substancial.
Como bem salientado ainda pelo Ilmo. Promotor de Justiça, ainda que tivesse conhecimento do e-mail encaminhado por sua esposa ao Gabinete do Governador do Estado, esta se encontrava no exercício regular de um direito, podendo utilizar-se daquele meio eletrônico colocado à disposição da população para fazer chegar ao conhecimento das autoridades competentes eventual desrespeito ao regulamento praticado pelo Comandante da Unidade em tela. Ora, se os Oficiais Superiores da Corporação não são senhores da vida privada de seus Subordinados, imagine-se da vida privada dos familiares destes. Deste modo, conclui-se que a Autoridade nomeada coatora infligiu gravosa punição administrativa ao Paciente sem qualquer amparo em provas ou indícios colhidos durante o procedimento administrativo-disciplinar, tudo com base em arbitrária suposição, presunção de que o mesmo teria ´orientado´ sua esposa a encaminhar e-mail ao Gabinete do Governador do Estado relatando eventual descumprimento regulamentar das escalas de serviço na Unidade em tela, havendo manifesta ilegalidade na punição infligida, eivada de vício de validade, devendo ser declarada a sua nulidade. Em face do exposto, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO, CONCEDENDO A ORDEM DE HABEAS CORPUS PRETENDIDA E DECLARANDO A NULIDADE DA PUNIÇÃO ADMINISTRATIVO-DISCIPLINAR INFLIGIDA AO 2º SGT PM RG F M S, DECORRENTE DO DRD N° 163/2530/2013 - 7º BPM, A QUAL DEVE SER EXCLUÍDA DE SUA FICHA DISCIPLINAR, DECRETANDO AINDA O TRANCAMENTO DO REFERIDO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO, o que faço na forma do disposto no artigo 478 do Código de Processo Penal Militar. Transitada em julgado, providenciem-se as comunicações e anotações de praxe, dando-se, após, baixa na distribuição e remetendo-se ao arquivo. De acordo com o artigo 30, inciso XIII, da Lei nº 8.457/92 (LOJMU), comunique-se ao Comando Geral da PMERJ e à Autoridade nomeada coatora, inclusive no que tange à publicação da presente decisão em boletim ostensivo, para fins de conhecimento do Paciente e da Corporação em geral. Sem custas, na forma do artigo 5º, inciso LXXVII, da Carta Magna, e do artigo 712 da Lei Processual Penal Castrense. P. R. I. C.
E o abuso de autoridade fica aonde!
ResponderExcluirO QUE É JUSTO , É JUSTO, PARABENS À MERETISSIMA PELA DECISÃO.
ResponderExcluirCabe ao prejudicado entrar na justiça e exigir a reparação.
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